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Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

A última viúva

Título original: The Last Widow

© 2019, Karin Slaughter

© 2019, para esta edição HarperCollins Ibérica, S.A.

 

Publicado originalmente pela HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

Tradutor: Mariana Mata

Will Trent é uma marca registada de Karin Slaughter Publishing LLC.

 

Letras de:

I’m on Fire (Bruce Springsteen)

Sara Smile, Hall & Oats (Daryl Hall, John Oates)

Whatta Man, Salt-n-Pepa ft. En Vogue (Hurby “Luv Bug” Azor, Cheryl James com samples da canção original escrita por David Crawford e interpretada por Linda Lyndell)

Love and Affection (Joan Armatrading)

Sure shot, Beastie Boys (Adam Keefe Horovitz, Adam Nathaniel Yauch, Jeremy Steig, Mario Caldato, Michael Louis Diamond, Wendell T. Fife)

Two Doors Down (Dolly Parton)

Smalltown Boy, Bronski Beat (Steve Bronski, Jimmy Somerville, Larry Steinbachek)

Because the Night, Patti Smith Group (Bruce Springsteen, Patti Smith)

What I Am, Edie Brickell & New Bohemians (Edie Brickell, Kenny Withrow, John Houser, John Bush, John Aly)

Give It Away, Red Hot Chili Peppers (Michael Balzary (Flea), John Frusciante, Anthony Kiedis, Chad Smith)

 

Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

Esta edição foi publicada com a autorização da HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, acontecimentos ou situações são pura coincidência.

Desenho da capa: CalderónStudio

Imagem da capa: Shutterstock

1ª edição: Outubro 2019

 

ISBN: 978-84-9139-446-4

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Parte um

Domingo, 7 de julho, 2019

Prólogo

Um mês mais tarde. Domingo, 4 de agosto, 2019

Capítulo um

Capítulo dois

Capítulo três

Capítulo quatro

Capítulo cinco

Capítulo seis

Capítulo sete

Capítulo oito

Parte dois

Segunda, 5 de agosto, 2019

Capítulo nove

Capítulo dez

Capítulo onze

Capítulo doze

Capítulo treze

Terça, 6 de agosto, 2019

Capítulo catorze

Capítulo quinze

Capítulo dezasseis

Capítulo dezassete

Parte três

Quarta-feira, 7 de agosto, 2019. Uma hora antes da mensagem

Capítulo dezoito

Capítulo dezanove

Capítulo vinte

Capítulo vinte e um

Capítulo vinte e dois

Capítulo vinte e três

Epílogo. Quatro dias depois

Agradecimentos

Se gostou deste livro…

 

 

 

 

 

 

«Dê por onde der, estamos condenados a repetir o passado.É isso que significa estar vivo.»

 

– Kurt Vonnegut

PARTE UM

Domingo, 7 de julho, 2019

Prólogo

 

 

 

 

 

Michelle Spivey correu até ao fundo da loja a verificar todos os corredores como louca à procura da filha, com o pânico a subir-lhe à cabeça: Como é que a perdi de vista sou uma mãe horrível a minha bebé foi raptada por um pedófilo ou um traficante de órgãos devia avisar o segurança da loja ou chamar a polícia ou…

Ashley.

Michelle parou tão de repente que a sola do sapato chiou contra o chão. Inspirou profundamente, tentando forçar o coração a voltar ao ritmo normal. A filha não estava prestes a ser vendida como escrava. Estava no balcão de maquilhagem a experimentar amostras.

O alívio começou a dissipar-se à medida que o pânico a queimava.

A filha de onze anos.

No balcão de maquilhagem.

Depois de terem dito a Ashley que ela não podia, de maneira nenhuma, usar maquilhagem até chegar ao seu décimo segundo aniversário, e que depois seria só blush e lip gloss, independentemente do que as suas amigas andassem a fazer, ponto final.

Michelle comprimiu a mão contra o peito. Caminhou devagar pelo corredor, dando-se tempo para transitar para uma pessoa razoável e lógica.

Ashley estava de costas para Michelle a ver os tons dos batons. Girava os tubos com um virar de pulso especialista, pois como era óbvio, quando estava com as amigas, Ashley experimentava toda a maquilhagem delas e praticavam umas nas outras porque era isso que as miúdas faziam.

Algumas miúdas, pelo menos. Michelle nunca tinha sentido essa vontade de se aperaltar. Ainda conseguia ouvir o tom estridente da sua própria mãe quando Michelle se tinha recusado a depilar as pernas: Nunca poderás usar collants!

A resposta de Michelle: Graças a Deus!

Aquilo tinha sido há anos. A mãe há muito que tinha morrido. Michelle era uma mulher adulta com uma filha própria e, como todas as mulheres, tinha jurado não cometer os mesmos erros da mãe.

Teria exagerado?

Estariam as suas tendências gerais de maria-rapaz a punir a filha? Teria Ashley de facto idade suficiente para usar maquilhagem, mas por Michelle não ter interesse em eyeliners, pós bronzeadores e o que quer que fosse que Ashley via durante horas a fio no YouTube, estaria a privar a filha de um certo tipo de passagem de menina para mulher?

Michelle tinha feito a pesquisa sobre as etapas juvenis. Onze anos era uma idade importante, o chamado ano de referência, aquele ponto em que as crianças atingiam sensivelmente cinquenta por cento do seu poder. Tinha de se começar a negociar em vez de simplesmente dar ordens. O que era muito bem fundamentado de forma abstrata, mas na prática era aterrador.

— Oh! — Ashley viu a mãe e enfiou o batom à pressa dentro do mostrador. — Eu estava…

— Não faz mal — Michelle fez uma festa no cabelo comprido da filha. Tantos frascos de champô no duche, e amaciador, sabões e cremes quando a única rotina de beleza de Michelle envolvia protetor solar antitranspirante.

— Desculpa. — Ashley limpou os traços de lip gloss da boca.

— É bonito — experimentou Michelle.

— A sério? — Ashley sorriu para ela de uma forma que puxou todos os cordelinhos do coração de Michelle. — Já viste isto? — Referia-se à amostra de lip gloss. — Têm um com cor que é suposto durar mais, mas este aqui tem sabor a cereja e a Hailey diz que os ra…

Em silêncio, Michelle completou as palavras, os rapazes gostam mais.

Os diversos Hemsworth nas paredes do quarto de Ashley não tinham passado desapercebidos.

Michelle perguntou:

— De qual é que gostas mais?

— Bem… — Ashley encolheu os ombros, mas não havia muita coisa sobre a qual uma miúda de onze anos não tivesse opinião. — Acho que o colorido dura mais, certo?

Michelle ofereceu um: — Faz sentido.

Ashley ainda estava a ponderar os dois artigos. — O de cereja tipo que sabe a químicos? Tipo, eu lambo sempre… Quer dizer, se usasse, provavelmente lambia-o porque me ia irritar?

Michelle acenou com a cabeça, a tentar combater a controvérsia a crescer dentro dela: És linda, és esperta, és tão engraçada e cheia de talento e só devias fazer coisas que te fazem feliz, pois é isso que atrai os rapazes de valor que pensam que as raparigas felizes e seguras são as interessantes.

Em vez disso, disse a Ashley:

— Escolhe aquele de que gostas e eu adianto-te a mesada.

— Mãe! — gritou ela tão alto que as pessoas se viraram para olhar. A dança que se seguiu foi mais do tipo Tigger do que Shakira. — Estás a falar a sério? Vocês disseram…

Vocês. Michelle deu um grunhido interior. Como explicar esta reviravolta repentina quando ambas tinham acordado que Ashley não iria usar maquilhagem até ter doze anos?

É só lip gloss!

Ela vai fazer doze daqui a cinco meses!

Sei que combinámos que não até ao aniversário, mas deixaste-a ter aquele iPhone!

Seria esse o truque. Virar aquilo ao contrário e torná-lo sobre o iPhone, pois Michelle tinha pura e simplesmente por sorte sido a que tinha morrido naquela praia em particular.

Michelle disse à filha:

— Eu trato da chefe. Mas só lip gloss. Mais nada. Escolhe aquele que te faz feliz.

E fê-la mesmo feliz. Tão feliz que Michelle se sentiu a sorrir para a mulher da fila de espera da caixa, que decerto percebeu que a bisnaga brilhante de Sassafras Yo Ass! cor-de-rosa não era para a mulher de trinta e nove anos de calções de corrida com o cabelo suado enfiado num boné.

— Isto… — Ashley estava tão contente que mal conseguia falar. — Isto é tão fixe, mãe. Adoro-te tanto e vou ser responsável. Tão responsável.

O sorriso de Michelle deve ter mostrado os primeiros sinais de rigor mortis quando começou a guardar as compras em sacos de pano.

O iPhone. Teria de tornar aquilo sobre o iPhone, pois elas também tinham acordado sobre isso. Mas depois todos os amigos da Ashley tinham aparecido no campo de férias com um e o Não, de modo algum tinha-se transformado em Não podia deixar que ela fosse a única criança sem um enquanto Michelle estava fora numa conferência.

Ashley agarrou alegremente nos sacos e encaminhou-se para a saída. Já tinha o iPhone de fora. O polegar deslizou pelo ecrã enquanto alertava as amigas sobre o lip gloss, muito provavelmente a prever que no espaço de uma semana estaria a espalhar sombra azul e a desenhar aquela coisa curva na ponta dos olhos que fazia as raparigas parecerem-se com gatos.

Michelle sentiu-se a começar a catastroficar.

Ashley podia apanhar conjuntivite, terçolhos ou blefarite ao partilhar a maquilhagem para os olhos. Vírus do herpes ou hepatite C com o lip gloss e o delineador de lábios, sem mencionar que poderia arranhar a córnea com a escova do rímel. E não eram os batons que podiam conter metais pesados e chumbo? Estalaficocos, estreptococos, E. coli. Em que raio é que Michelle estava a pensar? Podia estar a envenenar a própria filha. Havia centenas de milhares de estudos comprovados acerca dos contaminantes de superfície em comparação com a relativa mão cheia deles a indicar a correlação indireta entre os tumores cerebrais e os telemóveis.

Mais à frente, Ashley riu-se. As amigas estavam a responder. Balançava loucamente os sacos enquanto atravessava o parque de estacionamento. Tinha onze anos e não doze, e aos doze ainda era tremendamente nova, não era? Pois a maquilhagem mandava um sinal. Telegrafava um interesse em estar interessada, o que era uma coisa horrivelmente pouco feminista de se dizer, mas este era o mundo real e a sua filha ainda era um bebé que não sabia nada sobre rejeitar atenção não solicitada.

Michelle abanou em silêncio a cabeça. Que terreno escorregadio. Do lip gloss até à MRSA, passando pela Phyllis Schlafly. Tinha de enjaular os seus pensamentos selvagens para que, quando chegasse a casa, pudesse apresentar uma explicação razoável para o facto de ter comprado a maquilhagem a Ashley quando tinham feito um voto parental solene de não o fazerem.

Tal como tinham feito com o iPhone.

Meteu a mão dentro da mala à procura das chaves. Estava escuro na rua. A iluminação exterior não era suficiente, ou talvez precisasse dos óculos porque estava a ficar velha. Já tinha idade suficiente para ter uma filha a querer enviar sinais aos rapazes. Podia ser avó dali a poucos anos. A ideia fez-lhe o estômago sobressaltar-se num depósito de ansiedade. Porque é que não tinha comprado vinho?

Olhou para cima para se assegurar de que Ashley não tinha ido contra um carro ou caído de uma falésia enquanto estava a escrever mensagens.

Michelle sentiu-se a ficar de boca aberta.

Uma carrinha andou até parar ao lado da sua filha.

A porta lateral deslizou para se abrir.

Um homem pulou para fora.

Michelle agarrou nas chaves. Desatou numa corrida a todo o vapor, encurtando a distância entre ela e a filha.

Começou a gritar, mas era demasiado tarde.

Ashley tinha fugido a correr, tal como a tinham ensinado a fazer.

O que foi bom, pois o homem não queria Ashley.

Queria Michelle.

UM MÊS MAIS TARDE

Domingo, 4 de agosto, 2019

Capítulo um

 

 

 

 

 

Domingo, 4 de agosto, 13:37

 

Sara Linton recostou-se na cadeira, a resmungar um leve: — Sim, mamã. — Perguntava-se se alguma vez chegaria ao ponto de ser demasiado velha para levar umas palmadas da mãe.

— Não me faças esse tom apaziguador. — O miasma da fúria de Cathy pairou sobre a mesa da cozinha quando ela lançou, zangada, um monte de feijão-verde para cima de um jornal. — Tu não és como a tua irmã. Não andas para aí a seduzir. Houve o Steve na secundária, depois o Mason por razões que ainda não consegui perceber, depois o Jeffrey. — Ergueu o olhar por cima dos óculos. — Se te decidiste pelo Will, então centra-te nele.

Sara esperou que a sua tia Bella enumerasse alguns dos homens que estavam em falta, mas Bella limitou-se a brincar com o colar de pérolas à volta do pescoço enquanto bebericava o seu chá gelado.

Cathy continuou:

— O teu pai e eu estamos casados há quase quarenta anos.

Sara tentou:

— Eu nunca disse…

Bella fez um som algures entre uma tossidela e um gato a espirrar.

Sara não ligou à advertência.

— Mãe, o divórcio do Will acabou de ser concluído. Ainda estou a tentar lidar com o meu emprego novo. Estamos a apreciar as nossas vidas. Devias ficar feliz por nós.

Cathy partiu um feijão como se estivesse a partir um pescoço. — Já foi mau o suficiente teres andado com ele quando ainda estava casado.

Sara inspirou profundamente e susteve o ar nos pulmões.

Olhou para o relógio em cima do fogão.

13:37.

Parecia que era meia-noite e ainda nem sequer tinha almoçado.

Expirou lentamente, concentrando-se nos aromas maravilhosos que enchiam a cozinha. Tinha sido para aquilo que ela tinha desistido do seu domingo à tarde: frango frito a arrefecer em cima do balcão. Torta de cereja a cozer no forno. Manteiga a derreter na frigideira com pão de milho em cima do fogão. Biscoitos, ervilhas do campo, feijão-frade, suflé de batata-doce, bolo de chocolate, tarte de noz e gelado espesso o suficiente para partir uma colher.

Seis horas por dia no ginásio durante a semana seguinte não desfariam o dano que estava prestes a fazer ao seu corpo e ainda assim o único medo de Sara era esquecer-se de levar os restos para casa.

Cathy partiu outro feijão, tirando Sara do seu devaneio.

O gelo tilintou no copo de Bella.

Sara ouviu o cortador de relva nas traseiras. Por razões que ela não conseguia perceber, Will tinha-se voluntariado para servir de jardineiro de fim de semana à sua tia. A ideia de ele ouvir sem querer qualquer parte da conversa fez-lhe vibrar a pele como um diapasão.

— Sara. — Cathy inspirou ruidosamente antes de continuar onde tinha ficado: — Estás praticamente a viver com ele, agora. As coisas dele estão no teu armário. As suas coisas de barbear, todos os seus produtos de higiene pessoal estão na casa de banho.

— Oh, querida. — Bella deu uma palmadinha na mão de Sara. — Nunca partilhes uma casa de banho com um homem.

Cathy abanou a cabeça.

— Isto vai matar o teu pai.

Eddie não morreria, mas não ficaria feliz, da mesma forma que nunca ficava com nenhum dos homens que queriam namorar com as filhas.

Que era a razão de Sara estar a manter a relação em segredo.

Pelo menos parte da razão.

Tentou ganhar vantagem:

— Sabes, mãe, acabaste de admitir que andaste a bisbilhotar a minha casa. Tenho direito à minha privacidade.

Bella fez um som de desaprovação. — Oh, querida, é tão fofo achares mesmo isso.

Sara tentou de novo:

— Eu e o Will sabemos o que estamos a fazer. Não somos adolescentes tolos a passarem bilhetinhos no átrio. Gostamos de passar tempo juntos. É tudo o que importa.

Cathy grunhiu, mas Sara não era parva para encarar o silêncio que se seguiu como aquiescência.

Bella disse:

— Bom, eu sou a especialista aqui. Fui casada cinco vezes e…

— Seis — interrompeu Cathy.

— Irmã, sabes que aquele foi anulado. O que estou a dizer é para deixares a criança descobrir sozinha o que quer.

— Não lhe estou a dizer o que fazer. Estou a aconselhá-la. Se ela não tiver intenções sérias acerca do Will, então precisa de avançar e encontrar um homem com quem tenha. Ela é demasiado lógica para relações casuais.

— «É melhor não ter lógica do que não ter sentimentos.»

— Dificilmente tomaria Charlotte Brontë como especialista do bem-estar emocional da minha filha.

Sara esfregou as têmporas, a tentar afastar uma dor de cabeça. O seu estômago resmungou, mas o almoço só seria servido às duas horas, o que não importava, pois se ela continuasse naquela conversa, uma ou talvez as três iriam morrer naquela cozinha.

Bella perguntou:

— Coração, viste esta história?

Sara levantou o olhar.

— Não achas que ela matou a mulher por estar a ter um caso? Quer dizer, uma delas está a ter um caso, por isso uma esposa matou a que estava a tê-lo. — Piscou o olho a Sara. — Era com isto que os conservadores estavam preocupados. O casamento entre homossexuais representa pronomes irrelevantes.

Sara estava a ter dificuldade em segui-la até perceber que Bella apontava para um artigo no jornal. Michelle Spivey tinha sido raptada num parque de estacionamento de um centro comercial há quatro semanas. Era cientista no Centro para o Controlo de Doenças, o que queria dizer que o FBI tinha tomado conta da investigação. A fotografia no jornal era da carta de condução de Michelle. Mostrava uma mulher atraente, de trinta e muitos anos, com um olhar expressivo que até a reles câmara da DGV tinha conseguido apanhar.

Bella perguntou:

— Tens seguido a história?

Sara abanou a cabeça. Vieram-lhe lágrimas indesejadas aos olhos. O marido tinha sido morto há cinco anos. A única coisa pior em que conseguia pensar para além de perder alguém que se amava era nunca vir a saber se essa pessoa tinha mesmo morrido.

Bella disse:

— Eu aposto num homicídio por encomenda. É o que habitualmente acaba por ser. A mulher trocou-a por um modelo novo e teve de se livrar da antiga.

Sara devia largado o assunto pois Cathy estava claramente a ficar irritada. Mas por Cathy estar claramente a ficar irritada, Sara disse a Bella:

— Não sei. A filha estava lá quando aconteceu. Viu a mãe a ser arrastada para uma carrinha. Provavelmente é ingénuo dizer isto, mas não acho que a outra mãe fosse fazer algo assim à filha.

— O Fred Tokars mandou matar a mulher em frente dos filhos.

— Isso foi para receber o seguro de vida, não foi? Para além disso, ele não tinha negócios duvidosos e alguma ligação à máfia?

— E é homem. As mulheres não tendem a matar pelas próprias mãos?

— Por amor de Deus! — rebentou finalmente Cathy. — Podemos por favor não falar sobre homicídio no dia do Senhor? E irmã, tu em especial, não devias estar a falar sobre esposas adúlteras.

Bella abanou o gelo no copo vazio.

— Não saberia bem beber um mojito com este calor?

Cathy juntou as mãos depois de acabar de arranjar o feijão-verde. Disse a Bella:

— Não estás a ajudar.

— Oh, irmã, ninguém deve procurar a ajuda da Bella.

Sara esperou que Cathy se virasse de costas antes de limpar os olhos. A Bella não lhe tinham escapado as lágrimas repentinas, o que queria dizer que assim que Sara saísse da cozinha, ambas iriam falar sobre o facto de ela ter estado à beira das lágrimas porque… Porquê? Sara não conseguia explicar o seu choro. Ultimamente, tudo, de um anúncio publicitário triste até a uma canção de amor na rádio conseguia colocá-la a chorar.

Pegou no jornal e fez de conta que lia o artigo. Não havia novidades sobre o desaparecimento de Michelle. Um mês era demasiado tempo. Até a mulher dela tinha parado de suplicar pelo seu regresso em segurança e implorava por favor a quem quer que tivesse levado Michelle que os informasse onde é que podiam encontrar o corpo.

Sara fungou. O nariz tinha começado a pingar. Em vez de pegar num guardanapo de papel do monte, usou as costas da mão.

Não conhecia Michelle Spivey, mas tinha conhecido a mulher por breves momentos no ano anterior, Theresa Lee, numa reunião de ex-alunos da faculdade de Medicina de Emory. Lee era ortopedista e professora em Emory. Michelle era epidemiologista no CDC. Segundo o artigo, as duas tinham-se casado em 2015, o que provavelmente queria dizer que deram o nó assim que puderam fazê-lo legalmente. Estavam juntas há quinze anos antes disso. Sara presumiu que, após duas décadas, já tinham descoberto as duas causas mais comuns para o divórcio: a colocação da temperatura aceitável no termóstato e que nível de ato criminal era fazer de conta que não se sabia que a máquina de lavar louça estava pronta para ser esvaziada.

Mas ela também não era a especialista em casamentos da casa.

— Sara? — Cathy estava de costas contra o balcão, de braços cruzados. — Vou simplesmente ser franca.

Bella deu um risinho.

— Faz uma tentativa.

— Não há mal nenhum em seguir em frente — começou Cathy. — Começar uma vida nova com o Will. Se estiveres verdadeiramente feliz, então sê verdadeiramente feliz. De outro modo, de que raio é que estás à espera?

Sara dobrou cuidadosamente o jornal. Os olhos voltaram ao relógio.

13:43.

Bella disse:

— Eu gostava mesmo do Jeffrey, paz à sua alma. Ele tinha estilo, mas o Will é tão querido. E ama-te mesmo, querida. — Deu uma palmadinha na mão de Sara. — Ama mesmo.

Sara mordeu o lábio. O seu domingo à tarde não se ia transformar numa sessão improvisada de terapia. Ela não precisava de resolver os seus sentimentos. Estava presa no problema reverso de cada primeiro ato de uma comédia romântica: já se tinha apaixonado pelo Will, mas não sabia bem como amá-lo.

Com a inaptidão social de Will ela conseguia lidar, mas a sua falta de capacidade para comunicar tinha sido quase o fim deles. Não apenas uma ou duas vezes, mas várias. Inicialmente, Sara tinha-se convencido de que ele estava a mostrar o seu melhor lado. Era normal. Ela tinha deixado passar seis meses até começar a usar os seus pijamas verdadeiros na cama.

Depois já tinha passado um ano e ele ainda guardava as coisas para si. Coisas estúpidas, sem importância, como não lhe ligar para avisá-la de que tinha de trabalhar até tarde, que o seu jogo de basquetebol estava atrasado, que a sua bicicleta se tinha avariado a meio do caminho, que se tinha voluntariado para ajudar um amigo a fazer uma mudança no fim de semana. Parecia sempre chocado quando ela ficava furiosa com ele por não lhe comunicar aquelas coisas. E ela não estava a tentar controlá-lo. Estava a tentar perceber o que encomendar para o jantar.

Por muito que aquelas interações fossem aborrecidas, havia outras coisas que realmente importavam. Will não mentia, antes arranjava maneiras espertas de não lhe contar a verdade, tivesse isso a ver com uma situação perigosa no trabalho, um pormenor horrível sobre a sua infância, ou pior, uma atrocidade recente cometida pela cabra asquerosa da sua ex-mulher narcisista.

Logicamente, Sara percebia a génese do comportamento de Will. Tinha passado a infância no programa de acolhimento para adoção onde, se não estava a ser negligenciado, estava a ser abusado. A sua ex-mulher tinha virado as emoções como arma contra ele. Nunca tinha tido uma relação verdadeiramente saudável. Havia alguns esqueletos verdadeiramente horrendos à espreita no seu passado. Talvez Will sentisse que estava a proteger Sara. Talvez sentisse que se estava a proteger a si próprio. A questão é que ela não fazia a merda de uma ideia de qual dos dois era, pois ele não reconhecia que o problema existia.

— Sara, querida — disse Bella. — Queria contar-te: no outro dia, estava a pensar no tempo em que viveste aqui quando estavas na escola. Lembras-te, coração?

Sara sorriu com a recordação dos seus anos de faculdade, mas depois os cantos dos lábios começaram a ceder quando apanhou o olhar trocado entre a tia e a mãe.

Havia um martelo prestes a cair.

Tinha-na atraído ali com a promessa de frango frito.

Bella disse:

— Querida, vou ser franca. Este velho sítio é uma casa grande demais para a tua doce tia Bella tratar. O que é que achas de voltares a viver aqui?

Sara riu-se, mas depois viu que a tia falava a sério.

Bella disse:

— Podiam arranjar a casa, torná-la vossa.

Sara sentiu a boca a mexer, mas não tinha palavras.

— Querida. — Bella segurou na mão de Sara. — Eu sempre quis deixar-ta em testamento, mas o meu contabilista diz que a situação com os impostos seria melhor se eu ta doasse agora através de um fundo. Já dei um sinal para um apartamento na baixa. Tu e o Will podem mudar-se no Natal. Aquele hall de entrada aguenta com uma árvore de seis metros e há muito espaço para…

Sara teve uma perda momentânea de audição.

Ela sempre tinha gostado da grande casa antiga georgiana que tinha sido construída mesmo antes da Grande Depressão. Seis quartos, cinco casas de banho, uma garagem de duas divisões, um barracão de jardim modificado, três acres de terra numa das zonas mais prósperas do Estado. Uma viagem de dez minutos e estava na baixa. Uma caminhada de dez minutos levava-a ao centro do campus da Universidade Emory. O bairro tinha sido um dos da última comissão de Frederick Law Olmstead antes de morrer e os parques e jardins misturavam-se maravilhosamente com a Fernbank Forest.

Era uma oferta tentadora até os números começarem a passar-lhe pela cabeça.

Bella não tinha substituído nada desde os anos oitenta. O aquecimento central e o ar condicionado. A canalização. A instalação elétrica. A reparação das paredes. Janelas novas. Telhado novo. Algerozes novos. A discussão com a sociedade histórica sobre os minuciosos detalhes da arquitetura. Sem falar do tempo que iam perder porque Will ia querer fazer todo o trabalho sozinho e as noites de folga e os fins de semana prolongados de lazer iam transformar-se em discussões sobre as cores de tinta e o dinheiro.

Dinheiro.

Esse era o obstáculo real. Sara tinha muito mais dinheiro do que Will. O mesmo tinha acontecido no seu casamento. Nunca ia esquecer a expressão na cara de Jeffrey da primeira vez que viu o saldo na sua conta à ordem. Sara tinha mesmo ouvido o ranger dos testículos a recolher para dentro do corpo. Tinha sido preciso muita merda de sucção para deitá-los cá para fora outra vez.

Bella estava a dizer:

— E claro que posso ajudar com os impostos, mas…

— Obrigada. — Sara tentou interromper. — É muito generoso, mas…

— Podia ser um presente de casamento. — Cathy sorriu docemente enquanto se sentava à mesa. — Não seria adorável?

Sara abanou a cabeça, mas não para a mãe. O que é que se passava com ela? Porque é que se estava a preocupar com a reação de Will? Não fazia ideia de quanto dinheiro ele tinha. Pagava tudo em dinheiro vivo. Se isso era por não acreditar em cartões de crédito ou por ter o crédito lixado era outra conversa que eles não estavam a ter.

— O que foi isto? — Bella tinha inclinado a cabeça de lado. — Não ouviram qualquer coisa? Como foguetes ou algo assim?

Cathy ignorou-a.

— Tu e o Will podem fazer desta a vossa casa. E a tua irmã pode ficar com o apartamento por cima da garagem.

Sara viu o martelo a dar o último golpe. A mãe não estava simplesmente a tentar controlar a vida de Sara. Queria compor o cenário para Tessa.

Sara disse:

— Não me parece que a Tess queira viver por cima de outra garagem.

Bella perguntou:

— Ela não está a viver agora num casebre de barro?

— Mana, chiu. — Cathy perguntou a Sara: — Falaste com a Tessa sobre voltar a mudar-se para casa?

— Nem por isso — mentiu Sara. O casamento da irmã mais nova estava em crise. Ligava-lhe pelo Skype pelo menos duas vezes por dia, mesmo estando Tessa a viver na África do Sul. — Mamã, tens de deixar de fazer isto. Não estamos nos anos cinquenta. Consigo pagar as minhas próprias contas. A minha reforma está a ser assegurada. Não preciso de estar legalmente ligada a um homem. Consigo tomar conta de mim.

A expressão de Cathy baixou a temperatura no local.

— Se pensas que é isso que é o casamento, então não tenho mais nada a dizer sobre o assunto. — Empurrou-se para se levantar da mesa e regressou ao fogão. — Diz ao Will para se ir lavar para vir comer.

Sara fechou os olhos para evitar revirá-los.

Levantou-se e saiu da cozinha.

Os seus passos ecoaram pela sala cavernosa enquanto contornava o perímetro do tapete oriental antigo. Parou no primeiro conjunto de portas de correr. Encostou a testa contra o vidro. Will empurrava alegremente o cortador de relva para dentro do barracão. O jardim estava espetacular. Até tinha aparado os buxos em retângulos precisos. As pontas revelavam precisão cirúrgica.

O que diria ele a uma obra de dois milhões e meio de dólares?

Sara nem sequer tinha a certeza de querer uma responsabilidade tão grande. Tinha passado os primeiros anos de casamento a remodelar o seu minúsculo chalé artesanal com Jeffrey. Sara recordava-se vivamente da exaustão física de retirar o papel de parede e de pintar os balaústres da escada, e da agonia excruciante de saber que podia simplesmente passar um cheque e deixar que outra pessoa o fizesse, mas o seu marido era um homem tão, mas tão teimoso.

O seu marido.

Era esse o terceiro ponto à qual a sua mãe tinha estado a tentar chegar na cozinha: Sara amava Will da mesma forma que tinha amado Jeffrey, e se amava, porque é que não casava com ele, e se não casava, porque é que estava a perder o seu tempo?

Tudo boas perguntas, mas Sara encontrou-se presa numa espiral à Scarlett O’Hara de prometer a si mesma que pensaria sobre isso no dia seguinte.

Empurrou a porta com o ombro e foi recebida por uma onda de calor. A humidade densa dava a sensação de o ar estar a suar. Ainda assim, levantou a mão e tirou o elástico do cabelo. A camada extra na nuca foi como colocar-lhe uma luva de cozinha aquecida. Se não fosse o cheiro da relva acabada de cortar, podia muito bem estar a entrar num banho turco. Arrastou-se colina acima. Os ténis escorregaram numas pedras soltas. Os insetos rodearam-lhe a cara. Ela enxotou-os enquanto caminhava em direção ao que Bella chamava de barracão, mas que era na verdade um celeiro convertido, com chão de pedra azul e espaço para dois cavalos e uma carruagem.

A porta estava aberta. Will estava parado no meio da sala. Tinha as palmas das mãos encostadas à bancada de trabalho enquanto olhava pela janela. Havia uma quietude nele que fez Sara pensar se deveria interromper. Havia algo a incomodá-los nos últimos dois meses. Conseguia senti-lo a entrar em quase todas as partes das suas vidas. Tinha-lhe perguntado o que era. Tinha-lhe dado espaço para pensar sobre isso. Tinha tentado fodê-lo até que ele se esquecesse. Ele continuava a insistir que estava bem, mas depois ela apanhava-o a fazer o que estava agora a fazer: a olhar pela janela com uma expressão dorida na cara.

Sara pigarreou.

Will virou-se. Tinha mudado de camisa, mas o calor já tinha ensopado o tecido no seu peito. Tinha pedaços de relva colados às pernas musculadas. Era alto e magro e o sorriso que abriu fez com que Sara se esquecesse momentaneamente de todos os problemas que tinha com ele.

Perguntou:

— Horas de almoço?

Ela olhou para o relógio.

— É uma e quarenta e seis. Temos exatamente catorze minutos de paz antes da tempestade.

O sorriso abriu-se ainda mais.

— Já viste este barracão? Quer dizer, já olhaste mesmo bem para isto?

Sara pensou que era só um barracão, mas Will estava claramente entusiasmado.

Apontou para uma zona com uma divisória num canto.

— Há um urinol ali. Um urinol verdadeiro em funcionamento. Não é fixe?

— Fantástico — murmurou ela de uma forma nada fantástica.

— Olha-me a robustez destas vigas. — Will media um metro e noventa e cinco, alto o suficiente para agarrar a viga e fazer algumas elevações. — E olha ali. Esta televisão é antiga, mas ainda funciona. E há até um frigorífico e um micro-ondas aqui onde acho que costumavam viver os cavalos.

Ela sentiu os cantos da boca curvarem-se num sorriso. Ele era tão menino da cidade que não sabia que aquilo se chamava estábulo.

— E o sofá está um pouco bafiento, mas é mesmo confortável. — Saltou para cima de um sofá rasgado em pele, puxando-a para o seu lado. — É ótimo isto aqui, não é?

Sara tossiu com o pó a rodopiar. Tentou não ligar ao monte de velhas revistas da Playboy do seu tio no sofá a ranger.

Will perguntou:

— Podemos mudar-nos para cá? Estou só meio a brincar.

Sara mordeu o lábio. Não queria que ele estivesse a brincar. Queria que ele lhe dissesse o que queria.

— Olha, uma guitarra. — Pegou no instrumento e ajustou a tensão das cordas. Alguns apertões depois estava a fazer sons reconhecíveis. E depois transformou-os numa música.

Sara sentiu o rápido entusiasmo de surpresa que aparecia sempre que descobria qualquer coisa nova sobre ele.

Will murmurou a letra de abertura do I’m on Fire, do Bruce Springsteen.

Parou de tocar.

— É um bocado mau, não é? «Hey little girl is your daddy home?»[1]

— Então e Girl, You’ll Be a Woman Soon? Ou Don’t Stand So Close to Me? Ou a abertura do Sara Smile?

— Merda. — Dedilhou as cordas da guitarra. — O Hall & Oates também?

— Os Panic! At the Disco têm uma versão melhor. — Sara observou-lhe os dedos compridos a dedilharem as cordas. Adorava as mãos dele. — Quando é que aprendeste a tocar?

— Na secundária. Autodidata. — Will fez um ar envergonhado. — Pensa em todas as coisas parvas que um rapaz de dezasseis anos faria para impressionar uma rapariga de dezasseis anos e acredita que sei fazê-lo.

Ela riu-se, pois era difícil de imaginar.

— Também tiveste uma poupa?

— Óbvio. — Continuou a dedilhar a guitarra. — Fazia a voz do Pee-wee Herman. Conseguia virar um skate. Sabia a letra toda do Thriller. Devias ter-me visto com as minhas calças de ganga desbotadas e o meu casaco do Nember’s Only.

— Nember?

— Loja de marca branca. Eu não disse que era milionário. — Ele olhou para ela por cima da guitarra, claramente a apreciar o seu divertimento. Mas depois acenou na direção da cabeça dela a perguntar: — O que é que se passa aí em cima?

Sara sentiu a vontade de chorar a regressar. O amor esmagou-a. Ele estava tão sintonizado com os seus sentimentos. Ela queria tão desesperadamente que ele aceitasse que era natural da parte dela estar sintonizada com os dele.

Will pousou a guitarra. Pegou-lhe na cara e usou o polegar para lhe esfregar a preocupação da sobrancelha. — Assim está melhor.

Sara beijou-o. Beijou-o mesmo a sério. Aquela parte era sempre fácil. Passou-lhe os dedos pelo cabelo suado. Will beijou-a no pescoço, depois mais abaixo. Sara arqueou-se para ele. Fechou os olhos e deixou que a sua boca e mãos lhe suavizassem todas as dúvidas.

Só pararam porque o sofá estremeceu de repente com violência.

Sara perguntou:

— O que raio foi isto?

Will não evocou a piada óbvia acerca da sua capacidade de fazer a terra mover-se. Olhou para debaixo do sofá. Levantou-se e verificou as vigas por cima da cabeça, a bater com os nós dos dedos na madeira petrificada.

— Lembras-te daquele tremor de terra há uns anos em Alabama? Sentiu-se o mesmo, mas mais forte.

Sara endireitou a roupa.

— O clube de campo lança fogo-de-artifício. Talvez estejam a testar um novo espetáculo?

— Em pleno dia? — Will parecia cético. Encontrou o telefone na bancada de trabalho. — Não há nenhum alerta. — Percorreu as mensagens e depois fez uma chamada. Depois outra. E depois tentou um terceiro número. Sara esperava, expetante, mas Will acabou por abanar a cabeça. Levantou o telefone para que ela pudesse ouvir a mensagem gravada a dizer que todas as linhas estavam ocupadas.

Ela reparou na hora no canto do ecrã.

13:51.

Contou a Will:

— A Emory tem uma sirene de emergência. Dispara quando há um desastre natural…

Pum!

A terra estremeceu violentamente outra vez. Sara teve de se equilibrar contra o sofá antes de conseguir seguir Will para o jardim.

Estava a olhar para o céu. Uma nuvem de fumo negro enroscava-se por detrás da linha do arvoredo. Sara conhecia intimamente o campus da Universidade Emory.

Cinquenta mil alunos.

Seis mil funcionários e membros da faculdade.

Duas explosões de fazer tremer o chão.

— Vamos. — Will correu em direção ao carro. Era agente especial na Agência de Investigação da Geórgia. Sara era médica. Não tinham necessidade de discutir sobre o que deveriam fazer.

— Sara! — Cathy chamou da porta das traseiras. — Ouviste aquilo?

— Vem da Emory. — Sara correu para dentro de casa para ir buscar as chaves do carro. Sentiu os pensamentos a transformarem-se em pavor. O campus urbano estendia-se ao longo de seiscentos acres. O Hospital Universitário Emory. O Hospital Pediátrico Egleston. O Centro para o Controlo de Doenças. O Instituto Nacional de Saúde Pública. O Centro Nacional de Investigação de Primatas de Yerkes. O Instituto Oncológico Winship. Os laboratórios do Governo. Organismos patogénicos. Vírus. Ataque terrorista? Tiroteio na escola? Um atirador solitário?

— Será que é o banco? — perguntou Cathy. — Houve aqueles assaltantes de bancos que tentaram rebentar com a prisão.

Martin Novak. Sara sabia que havia uma reunião importante a ter lugar naquele momento na baixa, mas o prisioneiro estava muito bem escondido numa casa segura fora da cidade.

Bella disse:

— Seja o que for, ainda não está nas notícias. — Tinha ligado a televisão da cozinha. — Tenho a velha espingarda do Buddy algures por aí.

Sara encontrou o porta-chaves na mala. — Fiquem dentro de casa. — Agarrou na mão da mãe e apertou-a com força. — Liga ao pai e à Tessa e diz-lhes que estás bem.

Apanhou o cabelo enquanto se dirigia à porta. Parou bloqueada antes de lá chegar.

Ficaram todos parados no mesmo sítio.

O som profundo de lamento da sirene de emergência encheu o ar.

 

 


[1] Tradução da letra original: «Ei, menininha, o teu papá está em casa?» (N.T.)