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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Kate Hewitt

© 2015 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Sob o véu do paraíso, n.º 43 - Julho 2015

Título original: Beneath the Veil of Paradise

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-7117-5

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S. L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Epílogo

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Será que alguma vez começaria a pintar? Estava sentada há quase uma hora, a olhar para uma tela em branco. Chase Bryant observava-a, sentado num bar, situado junto do mar, e questionava-se se iria decidir aproximar o pincel da tela. Segundo parecia, não. Chase pensou que devia ser uma mulher exigente. Estava num complexo turístico de luxo, numa ilha remota das Caraíbas, e tanto as calças castanhas como a t-shirt azul estavam perfeitamente engomadas. Chase questionou-se sobre o que faria para relaxar… No caso de relaxar, alguma vez, porque depois de ver a atitude dela, naquele lugar, duvidava muito.

Mesmo assim, havia algo fascinante no corpo tenso, nos ombros direitos e nos lábios franzidos. Não era especialmente bonita ou, pelo menos, não no sentido que gostava das mulheres, loiras, com curvas exuberantes. Aquela mulher era alta, quase com o metro e oitenta dele, e angulosa. Podia ver como a clavícula sobressaía, assim como os ossos afiados dos cotovelos. Tinha um rosto fino, uma expressão severa e até o penteado era rígido. Tinha cabelo quase preto, que dava a impressão de que o cortava com uma tesoura das unhas, todas as semanas. O cabelo agitava-se ao lado da linha forte do queixo, quando ela se mexia.

Observara-a desde que chegara com a tela e as tintas debaixo do braço. Parara na praia, suficientemente perto para que pudesse vê-la enquanto bebia uma água mineral com gás pois, infelizmente, não podia beber cerveja, nessa viagem. Mostrara-se meticulosa ao montar o cavalete, abrir a caixa das tintas e o pequeno banco de três pernas. Insistira até ter tudo como queria. Estava numa praia das Caraíbas e parecia que decidira dar uma aula noturna de arte a maiores de sessenta anos.

Interrogava-se se seria boa pintora. Tinha uma paisagem esplêndida à sua frente, um mar azul e uma praia de areia branca. E poucas pessoas para estragarem essa paisagem. O complexo não era apenas luxuoso, como também elitista e discreto. Sabia isso. Afinal, era propriedade da sua família. E, nesse momento, precisava de discrição. Quando ela acabou de colocar tudo como queria, sentou-se no banco, a olhar para o mar com uma postura perfeita, com as costas muito direitas. Ficou assim durante meia hora. Teria sido aborrecido, se não conseguisse ver-lhe a cara e as emoções a refletirem-se nela, como sombras na água. Não conseguia decifrá-las, exatamente, mas era evidente que não tinha pensamentos felizes.

O sol iniciara a sua descida lânguida para o mar e decidiu que ela devia estar à espera do pôr do sol, pois costumavam ser espetaculares. Já vira três. Gostava de ver o sol a pôr-se, pois sentia que havia algo poético no modo como uma beleza tão intensa desaparecia num instante. Viu o sol a pôr-se, com os seus raios a criar mil luzes na água, o céu em chamas, com uma miríade de cores que iam desde o magenta, ao turquesa e ao ouro. Ela continuava sentada. Chase sentiu uma certa irritação. Se ela levara tudo aquilo até ali, obviamente, era porque tencionava pintar alguma coisa. Porque não o fazia? Tinha medo? Talvez se tratasse de uma perfecionista. Contudo, sabia que a vida era demasiado curta para esperar pelo momento perfeito. Por vezes, as pessoas tinham de entrar no lodaçal e fazer o que tinham de fazer. Viver enquanto podiam. Afastou o copo, levantou-se do banco e dirigiu-se para ela.

Millie não gostava de se sentir tonta. Sentada naquela praia bonita, a olhar para uma tela em branco, quando era óbvio que estava ali para pintar, não só se sentia tonta, como patética. Simplesmente, já não queria fazê-lo. Fora uma ideia estúpida, o tipo de coisas que se lia em livros de autoajuda ou em revistas femininas. Lera uma no avião até St. Julian’s, um artigo sobre ter de ser amável consigo mesma. O artigo descrevia uma mulher que começara a dedicar-se à jardinagem depois do divórcio e que acabara por montar uma empresa de paisagismo. Cumprira o seu sonho, depois de anos num casamento pouco feliz. Isso inspirara-a, mas fora uma tolice. Afastou-se da tela. E deu por si a olhar para os abdominais bem definidos de um homem. Levantou o olhar e viu um Adónis moreno, que sorria.

– Sei que há pessoas hesitantes no mundo, mas isto é ridículo.

Fantástico! Um espertinho. Levantou-se do banco, para ficar à altura dele.

– O que quer dizer com isso? – perguntou.

– Quero saber o que espera.

– Inspiração – esclareceu. Olhou para ele nos olhos. – E não a encontro.

Se fora sua intenção ofendê-lo, não conseguiu. Ele limitou-se a sorrir e olhou para ela de cima a baixo com uns olhos escuros, profundos. Millie estava tensa e começava a zangar-se. Não gostava nada de homens como ele. Bonitos, conquistadores e terrivelmente arrogantes. O olhar dele chegou finalmente à sua cara e Millie surpreendeu-se, ao ver naqueles olhos um reflexo de algo que quase parecia ser compreensão.

– Agora, a sério – murmurou ele, abandonando o ar conquistador. – Porque não pintou nada?

– Isso não é um assunto seu.

– Obviamente. Mas sinto curiosidade. Passei quase uma hora a observá-la, do bar. Passou muito tempo nos preparativos e depois ficou mais de meia hora a olhar para o infinito.

– É um perseguidor?

– Não. Simplesmente, estou aborrecido.

Olhou para ele, tentando decifrá-lo. Pensara que se tratava de um conquistador barato, mas havia algo estranhamente sincero nas palavras dele. Como se sentisse realmente curiosidade e estivesse mesmo aborrecido. Algo que viu naqueles olhos escuros e no sorriso fê-la responder, contrariada:

– Simplesmente, não conseguia fazê-lo.

– Porque não pinta há muito tempo?

– Algo parecido.

Millie começou a guardar as tintas. Não fazia sentido fingir que ia fazer alguma coisa nesse dia. Nem em nenhum outro. Os seus dias de pintora tinham passado, há muito tempo. Ele fechou o cavalete e deu-lho.

– Posso convidá-la para beber alguma coisa? – Millie abanou a cabeça.

– Não, obrigada.

Há dois anos que não bebia alguma coisa, a sós, com um homem. Há dois anos que não fazia outra coisa senão respirar, trabalhar e tentar sobreviver. E aquele homem não ia fazê-la mudar os seus hábitos.

– Tem a certeza?

Virou-se e olhou para ele com os braços cruzados. Era irritantemente atraente. Olhos castanhos, cabelo curto, queixo firme e bons abdominais. Usava calções de surfe e tinha pernas compridas, fortes.

– Porque se incomoda em perguntar? – indagou. – Apostaria cem dólares em como não sou o seu tipo – e não era o tipo dela.

– Já me catalogou?

– Não é difícil.

– Tem razão, não é o meu tipo habitual. Muito alta e… Como sabe… Severa. De onde vem esse cabelo?

– O cabelo? – e tocou instintivamente na cabeça. – O que se passa?

– É assustador. Bem ao estilo de Morticia Addams.

– Morticia Addams, da família Addams? Ela tinha cabelo comprido – Millie achava difícil acreditar que estavam a falar do seu cabelo.

– Ah, sim? Talvez esteja a pensar noutra pessoa. Alguém com um cabelo como o seu, com um corte muito rígido.

– Isso é ridículo e ofensivo – murmurou. No entanto, surpreendeu-se a sorrir. Gostava da sinceridade dele.

Ele arqueou as sobrancelhas.

– Então, jantamos?

– Não queria beber alguma coisa?

– Como continua a falar comigo, reconsiderei a oferta.

Ela soltou uma gargalhada. A gargalhada foi desinteressada, mas era uma gargalhada. Aquele homem irritante, arrogante e atraente, divertia-a. Não se recordava de quando se rira pela última vez. E estava de férias. Forçadas, mas tinha uma semana inteira pela frente. Sete dias eram muito tempo. Porque não haveria de se divertir? Porque não haveria de demonstrar que estava a virar a página, como Jack, o patrão, lhe pedira para fazer? Assentiu com a cabeça.

– Está bem, mas só para beber alguma coisa.

– Está a regatear? – o interesse dela aumentou. Acordos eram com ela.

– Qual é a sua contraoferta? – perguntou.

Inclinou a cabeça e olhou para ela devagar, mais uma vez. E ela reagiu a esse olhar, com uma mistura dolorosa de atração e susto. Alarme e desejo. Calor e frio. Um misto de emoções que atravessou o seu entorpecimento e a fez sentir.

– Beber um copo, jantar e um passeio pela praia – Millie sentiu uma sacudidela elétrica no ventre.

– Supostamente, devia baixar a oferta, não aumentá-la.

– Eu sei.

Ela hesitou. Deveria dizer não mas, sem saber porquê, isso parecia ser um fracasso. Conseguia lidar com ele. Precisava de conseguir lidar com ele.

– Muito bem – aceitava porque era um desafio e não porque queria. Gostava de desafios, de testes de resistência física e emocional. «Consigo correr cinco quilómetros em dezoito minutos e meio, sem ficar com falta de ar. Consigo olhar para um álbum de fotografias durante meia hora, sem chorar», pensou. Sorridente, ele estendeu a mão para a tela, que ela apertava contra o peito.

– Deixe-me levar isso.

– Muito cavalheiresco da sua parte, mas não é necessário – aproximou-se de um contentor do lixo que havia à beira da praia e atirou a tela, as tintas e o banco lá para dentro. Não olhou para ele enquanto o fazia, mas sentiu que corava. Só se mostrava prática, mas sabia que a sua atitude parecia severa.

– É uma mulher assustadora – olhou para ele, arqueando as sobrancelhas.

– Por causa do cabelo? – replicou.

– Por tudo. Mas, não se preocupe, eu gosto – e sorriu. Olhou para ele.

– Não estou preocupada.

– O que gosto em si – comentou, enquanto se dirigiam para o bar, – é que é muito fácil exasperá-la.

Millie não tinha resposta para isso. Era verdade que se sentia suscetível. Não gostava de praias, de bares ou de encontros. Não conseguia relaxar. Nos dois últimos anos, não fizera outra coisa senão trabalhar. E, apanhar sol na praia, com um livro de bolso e um MP3, era como se lhe arrancassem as unhas dos dedos, uma a uma. Pior. Porque isso, não duraria uma semana inteira

O homem levou-a através do bar, para um grupo de mesas colocadas em cima da areia. Todas tinham sombrinhas, poltronas confortáveis e uma vista perfeita para o mar.

O empregado do bar cumprimentou-o, ao passar, por isso, Millie supôs que o seu acompanhante era bem conhecido por ali. Provavelmente, gastava muito dinheiro. Seria o menino de uma família rica ou um empresário? E isso importava?

– Como se chama? – perguntou, sentando-se à frente dele.

Ele olhava para o mar, com atenção. As pinceladas cor de laranja do ocaso pareciam fitas animadas a cruzar o céu. Virou a sua atenção para ela.

– Chase.

– Chase – e riu-se. – Um nome apropriado.

– Na verdade, não costumo caçar – esboçou um sorriso lento e sensual, que a fez tremer.

– Encantador, Chase. Praticas isso ao espelho?

– O quê?

– O sorriso – ele riu-se e recostou-se na poltrona.

– Não, nunca. Mas deve ser um belo sorriso, se achas que pratico – olhou para ela, pensativo. – Embora seja mais provável que penses que sou um asno arrogante.

Dessa vez, ela riu-se, surpreendida. Não esperava que fosse tão sincero.

– E também posso dizer-te o que pensas de mim – Chase arqueou a sobrancelha.

– O quê?

– Que sou uma sabichona rígida, que não se sabe divertir – assim que o disse, arrependeu-se das suas palavras. Não queria ter aquela conversa.

– A verdade é que não penso isso – continuava relaxado, mas observava-a de um modo que fazia com que se sentisse estranhamente exposta. – Aparentemente, sim. Certamente. Mas, por baixo disso, pareces triste.

Ficou tensa. Ele sorria e o sorriso chamava a atenção para os lábios, que eram suficientemente exuberantes para serem de uma mulher e, no entanto, ao mesmo tempo, intensamente masculinos.

– Não sei porque dizes isso – murmurou ela.

Sabia que estava prestes a perder as forças, mas não conseguia evitar. Desviou o olhar, pegou no telemóvel e procurou alguns números. Chase olhava para ela, em silêncio, mas ela sentia algo que vinha dele. Algo escuro, intenso e totalmente inesperado.

– Como te chamas? – perguntou ele, finalmente.

Embora soubesse que era má educação, não levantou o olhar do telemóvel.

– Millie Lang – infelizmente, não tinha mensagens de trabalho.

– Millie? É diminutivo de quê? Millicent? Mildred? – finalmente, levantou o olhar e viu-o a observá-la.

– De Camilla.

– Camilla – repetiu ele, saboreando as sílabas, pronunciando-as com uma sensualidade que não parecia forçada, nem fingida. – Gosto – e apontou para o telemóvel. – O que se passa no mundo real, Camilla? As tuas ações continuam bem? Estão todos bem no trabalho, sem ti?

Corou e guardou o telemóvel. Estivera prestes a consultar o Nasdaq pela quinta vez, nesse dia.

– Está tudo bem. E, por favor, não me chames Camilla.

– Preferes Millie?

– Certamente.

– Vai ser uma noite divertida.

O rubor dela aumentou e deslizou pelo corpo. Aquilo era um erro estúpido. Pensara mesmo que podia divertir-se, ao ir jantar e namoriscar? Ridículo!

– Penso que devo ir.

Começou a levantar-se, mas Chase pôs-lhe a mão no pulso, para a parar. O contacto daqueles dedos fortes na sua pele era como se tivesse explodido uma bomba dentro do corpo. Não sentiu apenas o formigueiro da atração, uma chuva de faíscas devido a uma reação física básica, diante de um homem charmoso. Não, aquilo era como uma bomba. Afastou a mão e ouviu-se a respirar com dificuldade.

– Não.

– Calma… – e retirou a mão. – Desculpa, lamento – mas não parecia arrependido. Parecia que sabia o que ela acabara de sentir. – Falei a sério, Millie. Será uma noite divertida. Gosto de desafios.

– Oh, por favor! – aquele comentário estúpido fez com que se sentisse segura. Queria que o tal Chase fosse exatamente o que pensava que era. Atraente, arrogante e nada perigoso.

– Sabia que esperavas que dissesse isso – Millie baixou o olhar e pegou no menu.

– Vamos fazer o pedido?

– Primeiro, as bebidas.

– Vou beber um copo de Chardonnay com gelo, por favor.

– Muito bem.

Levantou-se da mesa e Millie observou-o a dirigir-se para o balcão. Sim, estava a olhar para o traseiro dele. Os calções de surfe ficavam-lhe muito bem.Com força de vontade, desviou o olhar e pegou no telemóvel. Porque não podia haver uma crise no trabalho? Havia uma dúzia por dia, quando estava no escritório. Mas Jack insistira que tirasse uma semana de férias, sem interrupções. Não tirava férias há dois anos, mas a empresa aprovara uma regra nova, supostamente, para velar pela saúde dos empregados, que obrigava que todos gozassem pelo menos metade das férias pagas, todos os anos.Uma regra ridícula. Queria trabalhar. Passara dois anos a trabalhar doze, catorze e até dezasseis horas por dia. E parar, de repente, para ir para ali, deixara-a muito nervosa.

– Aqui tens – Chase voltou para a mesa e pôs um copo de vinho à frente dela. Millie olhou para o copo dele. Parecia ser um refresco.

– O que estás a beber?

– Um refresco – e encolheu os ombros. – Pelo menos, está gelado.

– Tens problemas com o álcool? – perguntou.

– Boa ideia! Vamos diretos aos assuntos importantes. Não, não tenho problemas com o álcool. Simplesmente, não quero beber, neste momento – bebeu um gole e olhou para ela, pensativo.

Millie observou-o. Sabia que a pergunta fora muito brusca e um pouco estranha, mas tinha esquecido como era ter conversas sem importância.

– De onde és, Millie?

– De Nova Iorque.

– Devia ter adivinhado.

– Ah, sim? – e voltou a sentir-se incomodada. – Pareces pensar que já me catalogaste.

– Não, mas costumo ser bom observador. E tu, certamente, tens ar de pertencer à grande cidade.

– E, pode saber-se de onde és?

Chase sorriu e ela pensou que os olhos eram tão calorosos que queria aninhar-se neles. O que era uma tolice.

– Também sou de Nova Iorque.

– Suponho que devia ter adivinhado.

– Porquê?

– Tens aspeto de rapaz da cidade, mimado e privilegiado – declarou, com doçura.

– Isso doeu.

– Pelo menos, agora, entendemo-nos.

– Achas? – perguntou, com suavidade. – Porque és tão suscetível?

– Não sou.

Millie sabia que a sua resposta era tola. Era suscetível. Há muito tempo que não lidava com um homem e não sabia por onde começar. Porque aceitara aquilo? Bebeu um gole de vinho.

– Lamento – desculpou-se, ao fim de um instante. – Não costumo ser tão antipática.

– Eu retiro o melhor de ti?

– Suponho que sim – acedeu.

Olhou para ele nos olhos, esboçando um sorriso de desculpa, e viu que a observava com uma intensidade que fazia com que o seu coração acelerasse. Queria mostrar-se superficial e engenhosa, mas o olhar dele não tinha nada de superficial.

– O que fazes em St. Julian’s? – perguntou Chase.

– Estou de férias, como é óbvio.

– Não pareces ser uma pessoa que tira férias, voluntariamente.

Aquilo era verdade, mas não gostava que ele soubesse.

– Ah, não? – desafiou. – Conheces-me assim tão bem?

– Penso que sim.

– A sério?

– Vejamos… – e também se recostou na cadeira, de um modo aparentemente relaxado. – És advogada ou trabalhas na área das finanças – olhou para ela, pensativo. – Finanças, diria eu. Algo exigente, mas também elitista. Fundos de investimento, possivelmente?

Como sabia? Millie não respondeu.

– Trabalhas muitas horas, como é óbvio – continuou Chase. – E vives num arranha-céus, com serviço completo. Vejamos… Em Upper East Side? Mas perto do metro, para que possas chegar ao trabalho em menos de vinte minutos. Embora tentes ir para o trabalho a correr, pelo menos, duas manhãs por semana – arqueou a sobrancelha e sorriu. – Como me estou a sair?

– Mal – indicou.

Fervia de fúria por dentro, só de pensar que alguém a conhecia assim, mesmo que fosse apenas no mais básico. E odiava que fosse capaz de a ler, como se fosse um livro aberto. Que mais teria adivinhado dela, com o seu suposto poder de observação?

– Vou a pé para o trabalho três manhãs, não duas. E vivo no centro.

– Estou a perder faculdades.

– Mas, conseguiria adivinhar as mesmas coisas sobre ti! – protestou.

– Está bem. Então, fá-lo.

Millie observou-o, como ele fizera, tentando ganhar tempo para esclarecer os seus pensamentos. Não sabia o que ele fazia, nem onde vivia. Podia tentar adivinhar, mas seriam apenas hipóteses. Respirou fundo.

– Penso que trabalhas numa área pseudocriativa, em tecnologia ou publicidade.

– Pseudocriativa? – repetiu Chase. – És muito dura, Camilla.

– Millie – recordou-lhe. Rob fora o único que lhe chamara Camilla. – Vives em Chelsea ou em Soho, num daqueles blocos com águas-furtadas. Um armazém reformado, com vista para o rio e nenhum encanto.

– Isso é tão triste que dói.

– Com um espaço aberto que é fantástico para dar festas, sofás de pele, um ecrã enorme e uma cozinha com tecnologia de última geração, cheia de coisas que nunca usas.

Chase abanou a cabeça, devagar, com o olhar fixo no dela. Sorriu, quase com tristeza.

– Estás muito enganada.

– Em quê? – perguntou.

– Tudo bem, podes ter acertado nas águas-furtadas, mas é em Tribeca. E a televisão é de tamanho médio.

– E os sofás de pele?

– A pele limpa-se muito facilmente ou, pelo menos, é o que diz a minha empregada. E deves saber que uso muito a cozinha. Cozinhar relaxa-me.

– Não é verdade – olhou para ele, duvidosa.

– É sim. Aposto que não cozinhas. Compras uma sanduíche a caminho do trabalho, esqueces o almoço e jantas uma tigela de cereais, de pé, junto do lava-louça.

Aquilo aproximava-se muito da verdade e parecia ser incrivelmente patético. Millie desejou acabar com aquele jogo.

– Às vezes, encomendo comida pronta pelo telefone – indicou. – E, posso saber o que fazes?

– Sou arquiteto. Isso enquadra-se no «criativo»?

– Certamente – mostrava-se muito dura, mas tinha medo de fazer outra coisa. Tinha a sensação de que aquele homem lhe mostrava as suas fraquezas e queria acabar aquele encontro. – Isto é muito divertido, mas acho que me vou embora.

Acabou de beber o copo de vinho, começou a levantar-se, mas ele voltou a impedi-la, segurando-a pelo pulso. E, tal como da primeira vez, sentiu uma explosão dos sentidos.

– Tens medo, Millie?

– Medo? – repetiu, com todo o desprezo que pôde. – De quê? De ti?

– De nós.

– Não há nenhum «nós».

– Houve um «nós» desde que aceitaste beber um copo, jantar e dar um passeio pela praia – informou, com suavidade. – E, até ao momento, ainda só bebemos um copo.

– Solta-me! – ordenou, com dureza.

Chase levantou as mãos, sem deixar de olhar para ela nos olhos.

– Já te soltei.

Era verdade. Estava a ser uma idiota, a comportar-se como se estivesse presa, quando a única coisa que a detinha era o seu próprio medo. Aquele homem adivinhava muita coisa. Não podia ir-se embora, naquele momento. Admitir a derrota não era uma opção. Se conseguisse lidar com ele, não ia significar alguma coisa? Não seria um modo de provar a si mesma, de lhe provar que não tinha nada a esconder, nem a temer? Sorriu, com frieza.

– Não tenho medo.

Chase olhou para ela com aprovação e sentiu-se estranhamente gratificada. Seria melhor que a noite passasse o mais depressa possível.

– Fazemos o pedido? – perguntou.

– Oh, não! Não vamos jantar aqui – replicou Chase.

Olhou para ele, atónita. E ele sorriu.

– Jantaremos num lugar mais íntimo.