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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

 

© 2011 Kate Hewitt. Todos os direitos reservados.

ESCURAS EMOÇÕES, N.º 1389 - Junho 2012

Título original: Kholodov’s Last Mistress

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em portugués em 2012

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®, Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-0313-8

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversion ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

Iam roubar aquela mulher. Sergei Kholodov observava com o olhar da experiência e um pouco de cinismo enquanto um grupo de rapazes punham uns jornais à frente da cara daquela rapariga estrangeira. Não, na verdade, era uma mulher de vinte e tal anos. Com aqueles dentes tão perfeitos, aquele cabelo e aquele casaco vermelho, sem dúvida, era americana.

Estava há um bom bocado à frente da catedral de São Basílio, a observar as cúpulas em forma de bolbo, com um mapa na mão, quando se tinham aproximado dela, falando como se se tratasse de algo urgente. Sergei sabia bem o que queriam, mas era evidente que ela não. A estrangeira riu-se, deu um passo atrás, abanando os papéis, e sorriu. Sorriu, não tinha o menor bom senso.

Sem dúvida, os rapazes também tinham percebido e fora por isso que a tinham escolhido. Era óbvio, até mesmo para ele, que estava a mais de vinte metros de distância. Estava claro que era um alvo fácil. Rodearam-na sem afastar os papéis da sua cara. Sergei ouviu-a a rir-se enquanto dizia num russo muito rudimentar:

Spasiba, spasiba, nyet...

Sergei continuou a observar enquanto um dos rapazes punha a mão no bolso do casaco da rapariga. Sabia como era possível ser-se rápido e silencioso enquanto se procurava o vulto de uma carteira ou o barulho das notas. Conhecia a emoção do perigo e a satisfação, misturada com o desprezo que se sentia quando se conseguia roubar alguma coisa.

Com um suspiro de resignação, Sergei decidiu finalmente que o melhor era intervir. Não sentia muita simpatia pelos americanos, mas ela era uma mulher e era óbvio que não fazia a menor ideia de que iam roubar-lhe o dinheiro. Aproximou-se com passos largos, os turistas e ladrões afastavam-se do seu caminho de maneira instintiva.

Agarrou o rapaz que tinha a mão no bolso da jovem e viu com satisfação como corria no ar, tentando de fugir. Os outros rapazes escaparam, por isso Sergei sentiu pena do que tinha agarrado. Os seus amigos não tinham demorado a abandoná-lo. Sacudiu-o ligeiramente.

Pohazhite mne – «dá-mo» disse-lhe.

O rapaz protestou e assegurou várias vezes que não tinha nada.

Naquele momento, Sergei sentiu no ombro uma mão suave e, ao mesmo tempo, surpreendentemente forte.

– Por favor – disse a mulher, num russo com muito sotaque, – solte-o.

– Estava a roubá-la – explicou Sergei, sem olhar para ela, e voltou a sacudir ao rapaz. – Pohazhite mne.

A mulher apertou-lhe o ombro. Não lhe doeu, mas surpreendeu-o tanto que, por um instante, afrouxou a mão com que agarrava o rapaz, que aproveitou a oportunidade. Deu-lhe um pontapé entre as pernas que fez com que Sergei praguejasse e, depois, fugiu.

Sergei susteve a respiração para tentar controlar a dor, depois endireitou-se e olhou para a mulher, que teve a desfaçatez de olhar para ele fixamente com um ar de indignação.

– Satisfeita? – perguntou-lhe ele, com ironia.

Ela esbugalhou os olhos ao mesmo tempo que o seu rosto corava.

– Fala a minha língua.

– Melhor do que a menina fala a minha – respondeu Sergei. – Porque se envolveu? Agora não poderá recuperar o dinheiro.

Ela franziu o sobrolho.

– Que dinheiro?

– Esse rapaz que defendeu tão amavelmente estava a roubá-la.

A mulher sorriu e abanou a cabeça.

– Não, não, está enganado. Só tentava vender-me um jornal. Teria comprado, mas não consigo ler o jornal em russo. Estava exageradamente ansioso – admitiu, sem dúvida, tentando ser justa. – Conhece essa palavra?

– Sim, conheço essa palavra e algumas outras – disse Sergei, que mal conseguia acreditar que havia alguém tão ingénuo. – Não estavam ansiosos, simplesmente tentavam enganá-la – arqueou ambas as sobrancelhas e perguntou: – Conhece essa palavra?

Parecia surpreendida e ofendida, mas optou por ignorar e abanar a cabeça.

– Lamento muito. Não entendo muito russo, mas não penso que esses rapazes tencionassem magoar-me.

Sergei cerrou os lábios.

– Verifique-o, se quiser.

– Verificar?

– Procure nos bolsos.

Voltou a abanar a cabeça, com a mesma ingenuidade e o mesmo sorriso.

– A sério, só tentavam...

– Verifique-o – insistiu ele.

Os seus olhos adquiriram um brilho azul intenso, que revelava algo sob tanta doçura, algo selvagem e poderoso que despertou o interesse de Sergei, possivelmente até o desejo. Era bastante bonita. Tinha os olhos cor de violeta e um rosto de feições delicadas, embora com aquele casaco enorme não conseguisse ver muito mais do que isso. Finalmente, encolheu os ombros e levantou as mãos a modo de rendição.

– Está bem, se quiser que o verifique...

Sergei foi vendo como apareciam no seu rosto as diferentes emoções que ia experimentando. Confusão, impaciência, incerteza, incredulidade e indignação. Vira aquele processo muitas outras vezes, normalmente de longe e com meia dúzia de notas na mão.

Mas, então, apercebeu-se de que, na verdade, não estava indignada, possivelmente magoada, mas depois voltou a abanar a cabeça, daquela vez com uma aceitação que surpreendeu Sergei e despertou a sua curiosidade.

– Tem razão. Tiraram-me o dinheiro.

Porque não a incomodava?, perguntou-se Sergei, incomodado.

– Porque tinha dinheiro no bolso? – perguntou-lhe, com a maior suavidade que pôde.

Ela mordeu o lábio inferior com um ar que atraiu o olhar de Sergei e voltou a despertar o seu interesse. Tinha os lábios carnudos e rosados e o modo como mordia o inferior com aqueles dentes perfeitos causou-lhe uma certa tensão numa parte muito concreta do corpo.

– Acabei de ir ao banco – disse, num tom de explicação, não para se defender. – Não tinha tido tempo para o guardar.

Sergei vira-a ali de pé, a observar a catedral com o mapa na mão. Tivera tempo de sobra. Mas porque se importava? Porque se incomodava sequer em ter aquela conversa? Era apenas outra turista americana. Vira muitos, desde os que observavam com os olhos esbugalhados a tristeza de um autêntico órfão russo aos que avaliavam com olho crítico e levavam consigo um exército de terapeutas e psicólogos para se assegurarem de que nenhuma criança estava excessivamente mal. Como se tivessem a menor ideia. E depois havia os turistas que, como aquela mulher, invadiam a Praça Vermelha e observavam o Kremlin, os armazéns GUM e tudo o resto como se fossem simples antiguidades estranhas, em vez do que eram, testemunhas da história dolorosa do país. Sergei não tinha tempo para nenhum deles e, certamente, para ela também não. Já começara a virar-se quando ouviu uma expressão abafada de horror.

Virou-se para olhar para ela.

– O que foi?

– O meu passaporte...

– Tinha o passaporte no bolso do casaco?

– Já lhe disse, tinha acabado de sair do banco...

– O passaporte – repetiu Sergei, porque realmente lhe custava acreditar que alguém pudesse cometer a tolice de ter o dinheiro e o passaporte num bolso aberto do casaco enquanto atravessava a Praça Vermelha.

– Eu sei – disse, com um sorriso compungido. – Mas tinha de levantar uns cheques de viagem e tive de mostrar o passaporte...

– Cheques de viagem – repetiu mais uma vez. Aquilo não parava de melhorar, ou de piorar, dependendo do ponto de vista. Nunca teria pensado que alguém continuasse a usar um método de pagamento tão obsoleto.

– Porque usa cheques de viagem? Não seria mais fácil ter um cartão de crédito? – e mais seguro. A não ser, claro, que o tivesse no bolso do casaco juntamente com o código secreto, como certamente teria feito aquela mulher. Simplesmente, para ajudar os ladrões.

Viu-a levantar a cara e olhar para ele novamente com os olhos brilhantes e cheios de força.

– Prefiro os cheques de viagem.

Dessa vez, foi ele que encolheu de ombros.

– Muito bem – teria saído dali rapidamente se não fosse pelo modo como desapareceu o sorriso do seu rosto e começaram a tremer-lhe os lábios. A desolação encheu o seu olhar de um modo que Sergei sentiu uma pontada no coração, uma emoção de que não gostava e que não se permitia sentir há anos. Mas aquele olhar de tristeza que ela nem sequer quisera que visse fê-lo sentir tal emoção. E isso deixou-o furioso.

 

 

Hannah sabia que fora uma tolice ter o dinheiro e o passaporte no bolso do casaco. Devia ter guardado tudo na mala, mas a beleza da catedral de São Basílio distraíra-a, com as cúpulas coloridas que pareciam cravar-se no céu. Devia reconhecer que ficara a pensar que aquele era o seu último dia de viagem, que no dia seguinte estaria de volta ao estado de Nova Iorque, a abrir a loja, a fazer o inventário e a tentar fazer com que tudo funcionasse, e a verdade era que a ideia a fizera sentir uma certa tristeza ou, possivelmente, arrependimento. Não sabia muito bem o que era, só sabia que não queria senti-lo.

E agora aquele russo olhava para ela com aqueles olhos azuis que se fixavam nela como duas adagas. Hannah não sabia o que fazia, mas intimidava-a. Vestia um casaco de couro preto com calças de ganga pretas. Não era uma indumentária muito colorida, nem alegre. Tinha o cabelo de uma cor castanha bastante habitual, mas usava-o muito curto e o seu rosto era tão frio e deslumbrante que o coração de Hannah quase parara quando o vira.

E agora isto... O dinheiro que lhe restava desaparecera, juntamente com o seu passaporte. E o seu voo de regresso a Nova Iorque saía dentro de cinco horas.

– O que foi? – perguntou-lhe o homem, bruscamente.

Virara-se para ela com evidente impaciência. Todo o seu corpo, forte e tenso, irradiava poder. Parecia ter-se virado para ela contra a sua própria vontade, contra o seu bom senso.

– Suponho que sabe que tem de ir à sua embaixada.

– Sim...

– Podem ajudá-la lá – explicou muito devagar, como se ela não compreendesse a sua própria língua. – Vão dar-lhe um novo passaporte.

Hannah engoliu em seco.

– Quanto tempo costumam demorar?

– Suponho que algumas horas – olhou para ela, arqueando uma sobrancelha. – Isso é algum problema?

– A verdade é que sim – admitiu ela, com um ligeiro sorriso nos lábios, apesar do pânico que sentia porque começava a aperceber-se da terrível situação em que se encontrava. Ia perder o voo e ficaria em Moscovo, sem passaporte, sem dinheiro.

Muito mau.

– Talvez devesse ter pensado nisso enquanto deambulava pela Praça Vermelha – respondeu o homem. – Podia ter pendurado um cartaz ao pescoço a dizer que era uma turista, pronta para ser roubada.

– Sou uma turista – indicou Hannah, num tom razoável. – Mas não compreendo porque o incomoda tanto. Não levaram o seu dinheiro, nem o seu passaporte.

O homem ficou a olhar para ela e a expressão de raiva transformou-se em algo parecido com a surpresa.

– Tem razão – disse, depois de um momento. – Não tenho nenhum motivo para me preocupar – reconheceu, mas não se virou, continuou a olhar para ela como se fosse um mistério que não conseguia decifrar.

– De qualquer forma – disse Hannah, – não importa que tenham levado o meu dinheiro – na verdade, não se teria importado se não fosse o único que tinha. – Certamente, precisam mais dele do que eu, pelo menos, agora poderão comprar algo para comer.

– Acha que vão usá-lo para comprar comida?

Hannah abanou a cabeça.

– Não me diga que estarão a comprar droga ou algo parecido. Até as crianças da rua precisam de comer e aquelas não deviam ter mais de doze anos.

– Isso é muito quando se vive na rua – recordou-lhe o homem. – E a comida é fácil de conseguir. Basta roubar alguma coisa numa banca ou esperar na porta de trás de algum restaurante. Ninguém usa o dinheiro para comprar comida a menos que seja estritamente necessário.

Hannah olhou para ele, surpreendida por um tom que indicava que sabia bem do que falava e perturbada pela ferocidade daqueles olhos azuis.

– Lamento – murmurou Hannah. – E obrigada por me ajudar.

O homem fez algo parecido com assentir.

– Vai à embaixada? – perguntou-lhe, como se estivesse a fazer um grande esforço ao preocupar-se com ela. – Sabe onde é?

– Sim – não sabia, mas não ia dar-lhe mais motivos para pensar que era tola. – Obrigada por me ajudar.

– Boa sorte – disse ele.

Hannah despediu-se com um leve movimento de cabeça e afastou-se dali.

Uma vez longe daquele homem e da sua presença intensa, o pânico alojou-se no seu interior e transformou-se num fardo pesado. No entanto, endireitou-se, levantou a cara, no caso de ele estar a olhar para ela e continuou a andar para o outro extremo da praça. Teria de ver o mapa para procurar onde era a embaixada dos Estados Unidos.

Duas horas depois conseguiu chegar finalmente à embaixada, mas disseram-lhe que devia denunciar o roubo à polícia de Moscovo, onde lhe dariam um impresso que devia trazer para a embaixada para poder pedir um passaporte novo.

Hannah esperava que pudessem dar-lhe algum documento que lhe permitisse viajar, uma espécie de salvo-conduto para poder escapar. E voltar para casa.

A mulher da embaixada olhou para ela sem um pingo de compreensão ou interesse. Hannah pensou que, certamente, ouvia esse tipo de histórias várias vezes e que o seu trabalho não era ajudá-la, simplesmente informá-la. Mas Hannah tinha um nó de angústia na garganta.

– Mas o meu voo sai esta noite.

– Mude-o – disse a mulher. – O seu passaporte demorará vários dias a ficar pronto e depois terá de pedir o visto de entrada.

Visto de entrada?

– Mas eu quero ir-me embora.

– A pessoa de contacto que tem na Rússia terá de responder por si – explicou, ao mesmo tempo que lhe dava um impresso.

A primeira coisa que Hannah viu naquele papel foi os cem dólares que custava a emissão do novo passaporte.

– O único contacto que tenho é o hotel em que me alojo – disse, com cada vez mais desespero. – Penso que não...

– Vá à polícia – aconselhou a mulher. – É a primeira coisa que deve fazer – mal acabara de lho dizer quando fez um gesto para que passasse a pessoa seguinte.

– Mas... – Hannah não se mexeu da janela, aproximou-se um pouco mais e murmurou, envergonhada: – Não tenho dinheiro.

Isso também não despertou a menor compaixão por parte da funcionária.

– Levante-o de alguma caixa ou use o seu cartão de crédito.

Claro. Isso seria o mais normal. O problema era que Hannah não tinha tanto dinheiro no banco e livrara-se dos cartões de crédito depois de ver os gastos que os seus pais tinham acumulado antes de morrer. Possivelmente, não fora a decisão mais acertada, mas depois de saldar todas aquelas dívidas, tinha prometido não se endividar. A mulher da embaixada devia ter visto algo no seu rosto porque lhe disse, com certa impaciência:

– Então, telefone a alguém que esteja nos Estados Unidos para que lhe enviem dinheiro.

– Sim – respondeu ela, consciente do tremendo problema que tinha. – Obrigada – acrescentou e, felizmente, não lhe tremeu a voz.

Hannah saiu dali para o frio da tarde de primavera. Estava a fazer um verdadeiro esforço para não se deixar levar pelo pânico. Normalmente, era uma pessoa forte, que tentava ver o lado mais positivo das coisas.

Mas agora estava a escurecer e não tinha dinheiro, nem passaporte, nem muitas opções. Tal como aconselhara a mulher da embaixada, podia telefonar a alguém, mas não parecia fácil. Se o fizesse, e a verdade era que não sabia a quem telefonar, essa pessoa teria de aceitar o pagamento da chamada e, depois de ouvir o relato dos factos, teria de fazer mais de setenta quilómetros para chegar a Albany e enviar várias centenas de dólares, no mínimo. Tinha de pagar o passaporte, um hotel, a comida e possivelmente até outro bilhete de avião. Tudo isso podia chegar a milhares de dólares.

Não tinha nenhum amigo com tanto dinheiro. Ela usara todas as suas poupanças para pagar aquela viagem, mesmo sabendo que era algo louco e impulsivo, duas coisas que ela não era. Claro que talvez estivesse um pouco louca e fosse tola, como lhe dera a entender o homem da Praça Vermelha. De outro modo não se explicava que estivesse ali, sozinha no meio de Moscovo sem um lugar para que ir e sem saber o que fazer.

Engoliu o nó de pânico que tinha na garganta. Não estava perdida. Tinha um pouco de dinheiro no banco, o suficiente para ganhar algum tempo...

E depois?

– Aqui está.

Hannah pestanejou para focar o olhar na origem daquela voz. Encontrou com enorme surpresa o homem da Praça Vermelha, que se aproximava dela com o sobrolho franzido. Parecia um anjo vingador e, no entanto, Hannah sentiu um certo alívio ao vê-lo ali. Uma cara conhecida.

– O que faz aqui?

– Queria assegurar-me que tinha solucionado o problema do passaporte.

– É muito amável – disse ela, com cautela, porque, depois de três meses a viajar, tinha aprendido a ser precavida. – Mas não era necessário.